A RESERVA DE VAGAS PREFERENCIAIS PARA OS IDOSOS NO ESTACIONAMENTO EXISTENTE NO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Desde os primórdios da civilização é possível notar a atenção do ser humano ao uso do direito como instrumento de pacificação e equilíbrio social, ainda que de forma rudimentar se comparado o momento presente. Tome-se, por exemplo, o famoso Código de Hamurabi (1.700 a.C.), rei da Babilônia, que o justificou como uma forma de o forte não prejudicar o mais fraco, bem como para proteção das viúvas e dos órfãos.
O direito moderno aprimorou e desenvolveu a idéia dos direitos humanos, sendo variada e detalhada a normatização dos direitos das minorias (étnicas e sexuais) e dos desfavorecidos por alguma condição (deficientes, idosos, crianças e adolescentes).
No Brasil a Constituição da República de 1988 evidencia que a dignidade da pessoa é fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1°, III) trazendo fundamentos explícitos para a proteção dos idosos nos arts. 203, I e V, 229 e 230.
Em 03 de outubro de 2003 foi publicada a Lei Federal n° 10.741/03, denominada pela sua própria ementa como Estatuto do Idoso[1], com o claro objetivo de criar um novo microssistema jurídico[2] que consolidasse os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Com prazo de vacância da lei de 90 dias, entrou em vigor em 1° de janeiro de 2004.
Para efetivar a proteção aos idosos o legislador previu a da garantia de prioridade. E uma das prioridades ou preferências estabelecidas pelo Estatuto diz respeito à reserva de vagas nos estacionamentos em benefício dos idosos, como disposto no art. 41:
Art. 41. É assegurada a reserva, para os idosos, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade ao idoso.
Cabe observar, por primeiro, que a reserva de vagas se aplica a todos os estacionamentos, sejam públicos ou privados, nestes últimos incluídos os condomínios edilícios (arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil).
Outro aspecto digno de apreço diz respeito ao direito intertemporal. Por força do que afirma o art. 6° Decreto-lei n° 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil), a disposição do art. 41 do Estatuto do Idoso não gera efeitos retroativos, de modo que não afeta imediatamente os condomínios já instituídos. Apenas para fins argumentação, se o contrário ocorresse, haveria clara afronta ao ato jurídico perfeito e ao direito de propriedade dos condôminos.
Todavia, isto não significa dizer que os condomínios já existentes estão completamente livres de acatar o prescrito no art. 41 do Estatuto. Melhor explicando, consta que a reserva de vagas será feita nos termos da lei local, numa clara alusão do Estatuto do Idoso à legislação municipal.
Assim, nota-se que o art. 41 do Estatuto do Idoso tem a natureza de norma programática, já que dependente de complementação legislativa municipal para sua concretização, nos termos da lição de António Menezes Cordeiro apresentada no artigo a constituição patrimonial privada:
“Ultrapassando rapidamente a extraordinária diversidade doutrinal existente na matéria diremos que as normas preceptivas são normas de aplicação imediata. As normas programáticas, pelo contrário, têm uma aplicação diferida e mediata: implicam a elaboração de outras regras capazes de as tornar exeqüíveis e, muitas vezes, a criação de condições de facto que permitam a efectiva vigência dessas regras”. MIRANDA, Jorge. Estudos sobre a Constituição. Lisboa: Livraria Petrony, 1979, v. III. p. 369.
Em outras palavras, por si só o Estatuto do Idoso não tem o condão de obrigar os condomínios atualmente existentes ou os que venham a ser criados a reservar 5% (cinco por cento) das suas vagas preferenciais para os idosos, carecendo de regulamentação que deverá constar da legislação municipal. A obrigatoriedade de reserva de vagas somente existirá quando e como a lei municipal estipular.
Via de conseqüência, pode ser o caso de o legislador municipal, inspirado pelos dizeres do Estatuto, sacramentar que, por oportunidade de reforma da garagem ou ainda, pelo decurso de certo prazo, haverá necessidade de atendimento da reserva de vagas, de acordo com uma dada regulamentação.[3]
Mas ainda assim, nem todos os condomínios estarão obrigados a atender a reserva de vagas em prol dos idosos.
É que poucos assuntos no âmbito do condomínio estão cercados de tanta complexidade quanto o tema garagem. A começar pelo fato de não existir apenas um tipo de vaga de garagem. Segundo a visão de Marco Aurélio da S. Viana, seriam de três tipos: a vaga de garagem como propriedade comum, a vaga de garagem como acessório de uma unidade autônoma e a vaga de garagem como unidade autônoma (VIANA, Marco Aurélio S. Vagas de garagem na propriedade horizontal. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 39-62).
Por óbvio, o espírito da lei desde há muito apontava rumo à vaga de garagem como unidade autônoma, que é a modalidade que assegura mais praticidade e segurança, não só ao seu titular, mas também ao condomínio. Tal realidade atualmente está evidenciada no art. 1.331, § 1°, do Código Civil, e encontrava-se expressa no derrogado art. 2° da Lei n° 4.591/64. Mas, a teoria não se repetiu na prática. A despeito do tipo de vaga de garagem desejado pela lei (como unidade autônoma), não é difícil encontrar vagas de garagens nos outros dois tipos apontados.
E a caracterização do tipo de garagem é de extrema importância para o desenvolvimento do que ordena o Estatuto do Idoso, posto que somente nos condomínios que tiverem sua garagem sob a forma de área comum, sem individualização e demarcação das vagas, com um uso coletivo regido pela própria assembléia (no mais das vezes pelo sistema do rodízio ou do sorteio), é que a reserva de vagas poderá ser colocada em prática.
Nas demais modalidades de garagem que se apresentem como propriedade exclusiva, o mandamento do Estatuto do Idoso encontrará óbice no direito de propriedade, consubstanciado nas vagas demarcadas e individualizadas que não poderão sofrer qualquer modificação, tenham ou não matricula própria.
Um outra ocorrência que a reserva de vagas pode suscitar é que o número de idosos existentes no condomínio pode ultrapassar os 5% das vagas exigidas pela lei. Para tanto, como solução são vislumbradas duas medidas: alcance do consenso entre os interessados ou a ampliação do número de vagas preferenciais, por liberalidade dos condôminos.
Neste particular, independentemente do teor do Estatuto do Idoso e da legislação local
pertinente e, desde que o tipo de vaga de garagem permita, podem os condôminos
estabelecer, interna corporis,
com escoro nos votos favoráveis de 2/3 (dois terços) dos condôminos (art. 1.351, do Código Civil), regras favoráveis aos deficientes
e idosos, o que é louvável e salutar, dado o atendimento do espírito
humanitário.
[1] “Esse estatuto não é perfeito, mas é um grande passo na ampliação de direitos, projetando, para o futuro, melhores condições de vida ao velho brasileiro sob o ponto de vista biológico, psicológico, social, econômico e cultural”. RODRIGUES, Nara Costa; TERRA, Newton Luiz. Gerontologia social para leigos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 86 e 87.
[2] “Trata-se, na verdade, de verdadeiro microssistema jurídico, vez que regulamenta todas as questões que envolvem a pessoa idosa, tanto no aspecto do direito material como no tocante ao direito processual. Em outras palavras, o Estatuto do Idoso consolidou a matéria jurídica relativa aos direitos e garantias do cidadão idoso”. SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 93.
[3] Como exemplo do quanto acima foi dito pode ser pinçada a realidade paulista e paulistana. O ano de 2007 foi marcado pela publicação de uma norma estadual e outra municipal, específicas sobre o assunto:
– Lei Estadual nº 12.548/07: Consolida a legislação relativa ao idoso;
– Lei Municipal nº 14.481/07: Dispõe sobre a reserva de vagas para idosos nos estacionamentos públicos e privados do Município de São Paulo.