Profissionais analisam o atual cenário do mercado imobiliário brasileiro e propõem medidas para estimular a retomada, de fato, dos negócios
Por Fabio Penteado
O mercado imobiliário brasileiro pode ser definido, hoje, com diferentes palavras. Retração, ajuste, adequação, desaquecimento e acomodação são apenas algumas das mais utilizadas atualmente. É fato que 2015 mostra-se até agora um ano de muito trabalho e incertezas para as companhias do setor. Mas como o empresariado enxerga o cenário atual? O que esperar a curto prazo? Há alternativas mercadológicas? Quais lições podem ser tiradas deste período de incertezas e qual a tendência do setor para os próximos anos?
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Para o diretor da Milton Imóveis e Administração, Milton Fatuch Junior, o mercado dá sinais claros de arrefecimento, uma vez que os preços não estando acompanhando sequer a inflação, podemos considerar que já está havendo queda real de valores. Não bastasse, continua, as incertezas geradas pela crise não motivam a tomada de decisões, ocasionando baixa demanda, o que, pela dificuldade de liquidez, pode forçar os valores para baixo.
De acordo com Fatuch, apesar do forte crescimento verificado nos últimos anos, ainda existe um déficit habitacional significativo, cuja resolução foi interrompida pelas incertezas da economia e consequente endurecimento para a obtenção de financiamento, até então farto. “Restaurada a credibilidade – o que penso demore ao menos dois anos se não tivermos grave surpresas políticas -, esse movimento reaquecerá o mercado, porquanto as jovens famílias hoje se planejam melhor e podem realizar o sonho do primeiro imóvel mais cedo”, diz.
Ele, contudo, ressalta que para isso acontecer algumas demandas do setor e comportamentos sociais devem ser observados. “Sem dúvida o planejamento urbano, com regras transparentes e que não dependam do humor de cada eleito, é a segurança com que contam os empreendedores do setor para prosseguir em sua missão. Além disso, salienta, o principal obstáculo a transpor é o pessimismo generalizado, que não se institui por acaso. “As notícias estão aí, os indicadores não nos deixam enganar e até o mais humilde empresário está pensando muito antes de investir. Sem confiança de que as regras de hoje serão as mesmas de amanhã, não há esperança. Credibilidade é fundamental em quaisquer instâncias do relacionamento humano”, afirma.
Na opinião do diretor, este é o momento, também do setor e daqueles que atuam no segmento se adequarem. “É necessário que o profissional acredite em si, qualifique-se e reinvente-se”, constata. Quanto às empresas, Fatuch considera ser difícil falar em expectativas porquanto dependem de muitos fatores. “Não vislumbro nada de especial a curto prazo, mas, a longo prazo e naturalmente dependendo do crescimento do interesse privado – nacional e estrangeiro – em nosso mercado imobiliário, o que já vinha ocorrendo com a chegada de alguns investidores de peso, seria uma ótima notícia o fortalecimento de outras formas de financiamento de modo a não ficarmos tão dependentes dos recursos da poupança”, define.
“Credibilidade é fundamental em quaisquer instâncias do relacionamento humano”
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), José Romeu Ferraz Neto, reconhece que a retração dos investidores e das famílias se refletiu na diminuição das vendas. Como consequência, o volume de lançamentos se reduziu e a construção imobiliária também se retraiu. Segundo os Indicadores ABRAINC-Fipe, no segundo trimestre de 2015, os lançamentos foram de 14,6 mil unidades. Esse valor representa queda de 16% na comparação com o mesmo período do ano anterior, mas um crescimento de 20% em comparação com o período de três meses encerrado em maio de 2015. As unidades vendidas no 2º trimestre apresentaram queda de 17% com relação ao observado no mesmo período de 2014, atingindo 25,7 mil unidades. Apesar da queda, a quantidade de unidades vendidas foi 76% superior à de lançamentos entre abril e junho deste ano. Além disso, foram entregues 31,6 mil unidades, aumento de 5% com relação ao observado no ano passado.
Algumas ações, porém, são propostas pelo executivo para reaquecer o setor. Segundo ele, é preciso reativar o Programa Minha Casa, Minha Vida. “Além de estimular a atividade diretamente no segmento de habitação popular, isso também refletiria positivamente no ânimo dos investidores e das famílias em geral, como já aconteceu após a crise financeira internacional de 2009”, explica. Outra medida é estimular a captação de recursos para os financiamentos imobiliários. O cenário é de saída dos depósitos da poupança para outras aplicações financeiras mais rentáveis e de esgotamento da exigibilidade desses recursos na CAIXA e demais bancos. Por isso, na opinião de Fatuch, mais medidas são necessárias além das já adotadas, como foi a utilização de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Há, entretanto, algumas preocupações. “Três projetos de lei em tramitação no Congresso e um anteprojeto em preparação pelo Governo Federal, se forem aprovados sem aperfeiçoamentos, vão onerar a construção e esses custos acabarão sendo repassados aos adquirentes finais e ao próprio governo. Os projetos citados são o que eleva de 2% para 4,5% (aumento de 125%) a alíquota da Contribuição Previdenciária sobre a Renda Bruta; o projeto de lei que equipara os rendimentos dos depósitos no FGTS aos da Poupança, que implicará em aumento dos juros cobrados nos financiamentos à habitação popular e à infraestrutura, podendo inclusive inviabilizar a fase 3 do Programa Minha Casa, Minha Vida; e o anteprojeto que unifica o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), pelo qual a alíquota da futura contribuição para a seguridade social passaria de 3,65% para 9,25% (aumento de 153%), sem que a construção possa gerar créditos significativos para mitigar essa elevação.
Para que estas medidas não surtam efeito negativo, o presidente do SindusCon-SP conta que o setor está contrapropondo um aumento menor e linear da contribuição previdenciária para todos os setores, com a manutenção da opção da empresa de retornar a contribuir sobre a folha de pagamentos, uma distribuição de parte dos resultados das aplicações do FGTS aos depositantes, o que evitaria a elevação dos juros nos financiamentos, e diálogo do governo com a construção, para evitar que o setor seja onerado com a unificação do PIS e da Cofins.
O executivo é cauteloso quanto ao cenário. “É difícil falar em normalidade ou reacomodação quando temos, de um lado, um déficit habitacional que atinge cerca de 6 milhões de famílias no País, e de outro uma indústria da construção que, por conta da crise, foi obrigada a demitir 384 mil pessoas nos últimos dois semestres. Certamente haverá mudanças após esse período, e o desafio é não permitir que esse período se estenda para além de 2016”, diz.
Visão acadêmica
Na opinião do coordenador do Núcleo de Real State da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), João da Rocha Lima Junior, o setor imobiliário brasileiro hoje carece de crédito em volume e forma adequados. “Um dos vetores para compensar a retração pode ser o aumento da relação crédito de longo prazo versus valor da propriedade, e a falta de recursos hoje verificada, com a redução expressiva dos saldos das cadernetas de poupança, levou os bancos, especialmente a CAIXA, a diminuir a relação, provocando contração na condição de acesso do mercado ao crédito”, explica.
Mas há alternativas para superar as barreiras mercadológicas atuais. Para o acadêmico, as companhias do setor devem atuar, hoje, suportadas por análises de risco. “As empresas tendem a considerar que empreender com sucesso é vender no lançamento. Isto é falso. Sucesso é entregar no prazo previsto, sob os custos orçados e com as vendas sustentadas”, ensina.
Lima Junior faz outro lembrete. “O setor depende da retomada da economia. Prolongando a condição atual, ou aprofundando a retração, as empresas devem recolher a sua capacidade de realização e produzir em uma escala compatível com a demanda”, pontua.