Um dos pontos mais debatidos na proposta de reforma do Código Civil (PL 4/2025) é a nova redação do § 1º do artigo 1.336. O texto prevê que:
“Nos condomínios residenciais, o condômino ou aqueles que usam sua unidade, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação assemblear, não poderão utilizá-la para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta.”
Trata-se de uma medida que, à primeira vista pretende deixar a cargo dos condôminos, se as unidades do condomínio poderão ou não, serem locadas através de plataformas digitais, para locações de curta ou curtíssima temporada. Com a tecnologia cada vez mais avançada, a possibilidade de a assembleia deliberar sobre restrições é um reforço importante ao poder de autogestão dos condôminos.
Soberania condominial: um caminho sem volta
A mudança reconhece a soberania da coletividade condominial. Afinal, quem melhor do que os próprios moradores e usuários para decidir, dentro da legalidade, o que pode ou não ser tolerado em um espaço coletivo?
Essa autonomia já vinha sendo reconhecida por decisões judiciais, mas agora passará a ter previsão legal expressa. É uma vitória, sobretudo para síndicos e administradoras que lidam, na prática, com conflitos envolvendo usos abusivos das unidades.
A questão do quórum: um detalhe que pode virar problema
Contudo, um ponto importante do novo texto exige atenção: o artigo fala em “deliberação assemblear”, mas não menciona qual quórum será necessário para que essa decisão tenha validade.
Se pensarmos na aprovação ou restrição por força de alteração da convenção do condomínio, o quórum permanece o já bem conhecido de 2/3, previsto no artigo 1.351 do código civil.
Mas quando vamos para a segunda possiblidade prevista no texto da alteração, “ou por deliberação assemblear”, começamos a ter problemas. Qual seria o quórum necessário para tratar da questão na assembleia? Quórum simples, 50% + 1 dos presentes? Quórum qualificado, 2/3 dos presentes? Até o momento não sabemos.
E essa omissão pode ser problemática. Afinal, restringir o uso da propriedade privada é uma medida séria, que deve seguir critérios objetivos e seguros. Se a lei não definir qual o número mínimo de votos necessário, haverá espaço para interpretações divergentes: alguns poderão aplicar a regra da maioria simples dos presentes, enquanto outros defenderão a necessidade de quórum qualificado (como dois terços ou até unanimidade).
Na prática, essa insegurança pode gerar judicialização e anular o próprio avanço pretendido pela norma.
Qual seria a solução ideal?
O ideal seria que o texto legal fosse mais claro, estabelecendo um quórum objetivo, por exemplo, dois terços dos presentes na assembleia. Isso garantiria equilíbrio: de um lado, protegeria a coletividade condominial; de outro, respeitaria o direito individual dos proprietários.
Sem esse ajuste, a boa intenção da proposta corre o risco de virar um novo campo de disputas jurídicas.
Conclusão
A reforma do Código Civil traz inegáveis avanços para a vida condominial. Dar voz à coletividade e reforçar a possibilidade de limitação de atividades nocivas é um passo na direção certa. Mas não podemos deixar que a falta de precisão sobre o quórum fragilize esse avanço.
Que o Congresso Nacional esteja atento a essa questão e que o PL 4/2025, quando aprovado, traga não só mais autonomia aos condomínios, mas também mais segurança jurídica para todos que vivem e trabalham nesse ecossistema tão dinâmico.