Projeto de Lei 74/2022 aprovado pela Câmara de Vereadores, foi sancionado pelo Prefeito, dando origem a Lei 9.481, publicado no diário oficial do município, em 06 de junho de 2022, alterando a Lei 9.418, que dentre outros provimentos, tratava do Laudo de Inspeção Predial.
Recentemente publicamos um artigo falando da importância desse Projeto para a gestão da manutenção preventiva predial, agora vamos entender as mudanças práticas que ele trouxe, bem como dos fundamentos jurídicos dessa norma, entretanto, antes de detalharmos sua interpretação, gostaríamos de destacar seu propósito, ou seja, qual bem jurídico o legislador buscou proteger, me parecendo claro que seu objeto é, através da conservação preventiva, garantir a proteção patrimonial e pessoal, dando um direcionamento ao gestor da manutenção das edificações, portanto, não se deve confundir seu objetivo com proteção de direitos de garantia de obras e vícios construtivos, pois esses já estão tutelados em outras normas, como o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e normas auxiliares da ABNT.
A principal mudança introduzida pela lei 9.481/22 foi substituir a obrigação dos condomínios elaborarem, a cada 10 (dez) anos, laudo de inspeção predial, para promoverem a manutenção corretiva pela obrigação de cumprir o manual de gestão da manutenção, passando a fazê-la de forma preventiva.
Por diversas vezes me foi questionado, por qual motivo necessitamos de uma lei para dar direcionamento à manutenção preventiva predial, uma vez que o artigo 1.348, V do Código Civil, já impõe ao síndico tal obrigação, portanto, venho, de maneira simples, esclarecer, que tal dispositivo, apenas determina o que fazer, contudo, sem estipular como fazer, deixando o modo de execução, a cargo de cada administrador, dessa forma, não temos um modelo padrão que possa direcionar a gestão da manutenção em termos de prazos e procedimentos.
Art. 1.348. Compete ao síndico:
(…)
V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores
Outra dúvida recorrente é quanto a exigência da norma da ABNT 5674, já que ela existe há mais de vinte anos. Como já explicamos, a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnica é uma instituição de utilidade pública, Lei 4.150/62, sem competência legislativa, portanto, em observância ao princípio constitucional da legalidade, artigo 5º, Inciso II da Constituição Federal, suas normas não têm, diretamente, força legal, necessitando que uma Lei, devidamente constituída em conformidade com o nosso ordenamento jurídico, lhe faça referência, como assim fez a Lei 9.481/22, quando em seu artigo 3º vinculou a norma da ABNT 14.037, que trata do Manual de operação, uso e manutenção das edificações e no artigo 4º, à norma 5.674, que trata da gestão da manutenção predial, a qual estabelece no subitem 5.2 a manutenção das áreas privativas e no subitem 6.4 as manutenções das áreas comuns, lhes dando legitimidade para serem exigidas com obrigação de fazer por força de lei.
Na prática, a nova lei, apenas dá direcionamento a uma obrigação já existente, muitas vezes renegada em razão do valor da taxa condominial, como sabemos, em condomínio, as decisões são tomadas pelo voto dos condôminos em assembleia, entretanto, costumeiramente, suas decisões se dão pelo menor preço e imediatismo, fazendo com que síndico e/ou administrador encontrem dificuldades para inserir na previsão orçamentária as verbas para manutenção preventiva. A simples ideia de fazer uma poupança para manutenções a longo e médio prazo soam quase como ameaça ao cargo do gestor, preferindo o condômino ter uma taxa condominial, no primeiro momento, mais econômica, do que investir na prevenção, ainda que na prática seja mais oneroso a recuperação posterior. Essa nova regra facilitará aprovar nas previsões orçamentárias, verbas destinadas a manutenção preventiva, dando aos síndicos e administradores maior segurança jurídica no desempenho de suas funções.
Quanto as providências práticas que síndicos e administradores devem adotar, destacamos as seguintes: a) Independentemente do tempo em que seu condomínio foi instalado, o síndico / administrador deve buscar junto a construtora e ou em seus arquivos o Manual de Manutenção, também, chamado de Manual do Síndico; b) Elaborar seu plano de manutenção preventiva, segundo consta no respectivo manual e prosseguir na sua execução; c) Rever sua previsão orçamentária, certificando da existência de verba para as respectivas manutenções; d) Guardar as notas e demais documentos que possam comprovar a execução da manutenção para serem apresentados a fiscalização, quando exigido; e) Contratar para execução dos serviços, profissionais credenciados e especializados em suas respectivas áreas de atuação.
Destacamos também que a presente Lei não alterou as obrigações de fazer as manutenções preventivas do sistema contra incêndio para renovação do Alvará do Corpo de Bombeiros e nem o RIA – Relatório de Inspeção Anual para renovação do alvará de Elevador, que são tratados em leis específicas.
Vale ainda ressaltar que a obrigação de elaborar o primeiro manual permanece da construtora, que deve ser entregue na instalação do condomínio, como assim prevê o CDC, Código de Defesa do Consumidor. Já para os edifícios com mais de 10 (dez) anos de existência, os manuais deverão ser renovados pelo próprio condomínio, conforme artigo 2º, §3º da Lei 9.481/22, devendo o síndico contratar um profissional credenciado no CREA ou CAU para verificar se o manual está em conformidade com as normas 14.037 e 5.674 da ABNT, não sendo necessário elaborar um novo, apenas atualizar aquilo que for necessário em razão de mudança das normas e ou da própria edificação.
Quanto a situação daqueles condomínios que já elaboraram o Laudo de Inspeção, em razão da lei revogada, a nova norma não trouxe nenhum direcionamento, respostas que buscaremos nos próximos dias.
A administração condominial é uma atividade multidisciplinar, e há poucos anos deixou de ser o “patinho feio” do mercado imobiliário, quando o Brasil descobriu seu potencial econômico, que movimenta anualmente milhões de reais, trazendo vários especialistas para esse seguimento, como por exemplo a engenharia condominial, perícia, contabilidade condominial, advocacia condominial, dentre outras, o que de certa forma trás segurança para síndico e administrador condominial, que deixaram de ser os únicos responsáveis pelos destinos das edificações, inclusive o próprio Estado passou a prestar mais atenção nesse novo nicho, passando o Legislativo se dedicar mais ao seu regramento, como no caso dessa nova lei.
Entendo que qualquer atividade profissional deve ser exercida por quem esteja legal e tecnicamente habilitado, sob pena de favorecer o exercício ilegal da profissão, nesse sentido orientamos que síndico e administradores jamais assumam a responsabilidade de executar obra de relevante amplitude sem antes contratar um especialista para montar uma planilha que lhe oriente, com fundamentação técnica e científica, o que dever ser feito, como deve ser feito, qual material a ser empregado e quanto custo fazer, além desse profissional acompanhar sua execução, declarando no final que a mesma seguiu o plano elaborado, atestando a qualidade dos serviços.
Lamento que precisemos de lei para cumprimento de uma ação tão elementar, fazer a conservação preventiva dos edifícios. Sou favorável à menor intervenção do Estado na vida privada, porém, nesse caso vejo como positivo, pois mudar a cultura de um povo não é tarefa fácil, exemplifico com o uso do cinto de segurança em veículos, que antes da exigência da lei de trânsito era um objeto decorativo, após sua vigência e diversas campanhas educativas, passamos a usá-lo de forma automática, não mais pelo medo da multa, mas pela consciência da segurança que ele proporciona, assim espero que aconteça, em breve tempo, com a manutenção preventiva predial, razão pela qual entendo que a mudança da lei significa um grande avanço para gestão de condomínios, pois define um modelo padrão obrigatório para manutenção preventiva, fundamentada em normas da ABNT, elaboradas por especialistas com conhecimento técnico científico, o que certamente outras cidades também passarão a adotar.