A Justiça de São Paulo decidiu que condomínios enquadrados como Habitação de Mercado Popular (HMP) e Habitação de Interesse Social (HIS) não podem permitir locações por curta temporada, modalidade amplamente utilizada em plataformas digitais de hospedagem como Airbnb e Booking. A medida reforça que a função social da moradia, nesses empreendimentos, se sobrepõe à autonomia das assembleias condominiais.
A decisão foi proferida pelo juiz Vítor Gambassi Pereira, da 23ª Vara Cível do Foro Central da Capital, que anulou a assembleia convocada por um condomínio HMP justamente para deliberar sobre a autorização desse tipo de locação. Além de invalidar o encontro, o magistrado proibiu novas discussões sobre o tema, impondo multa de R$ 50 mil em caso de descumprimento.
Base jurídica: função social da moradia prevalece
O entendimento do magistrado está amparado no Decreto Municipal nº 64.244/2025, legislação que determina expressamente que empreendimentos classificados como HMP/HIS tenham uso exclusivamente residencial permanente, vedando a destinação das unidades para hospedagens temporárias.
Na avaliação do juiz, a finalidade social desses empreendimentos, voltados à população de baixa renda, não permite desvios de uso que descaracterizem sua natureza habitacional.
Para o magistrado, ainda que assembleias condominiais tenham autonomia para regular normas internas, essa autonomia não é absoluta. Ela deve respeitar a legislação urbanística, a destinação definida para o imóvel e a política habitacional que fundamenta esses programas residenciais.
Por que a curta temporada é considerada incompatível?
Na decisão, o juiz detalha os motivos pelos quais a locação por curta duração confronta o propósito da habitação popular. Segundo ele, esse tipo de atividade demanda:
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alta rotatividade de pessoas;
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maior demanda por controle de acesso e segurança;
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uso intensificado das áreas comuns;
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custos adicionais para o condomínio;
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risco de conflitos de convivência;
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exigência de infraestrutura e investimentos incompatíveis com o perfil das famílias beneficiadas por HMP/HIS.
O juiz ressalta que a locação por curta temporada envolve características muito próximas às de hotelaria, exigindo cuidados e gastos que não correspondem à realidade de empreendimentos de interesse social.
Segundo o magistrado, “um imóvel destinado ao atendimento a famílias de baixa renda não cumpre sua função social quando utilizado para locações de curta temporada”, destacando que essa modalidade requer decoração específica, oferta de amenidades, limpeza recorrente, gestão ativa das reservas e uso de plataformas digitais, práticas improváveis dentro da realidade financeira dos beneficiários desses programas.
Ação foi movida por moradores
A decisão atende ao pedido de um grupo de moradores que buscou a Justiça para impedir a assembleia. Eles argumentaram que a convocação contrariava diretamente a legislação vigente e geraria insegurança jurídica dentro do condomínio.
O advogado Gabriel Grigoletto representou os condôminos na ação.
O juiz entendeu que havia risco de dano imediato caso a assembleia ocorresse, podendo resultar em gastos desnecessários com sua organização, além de favorecer novos conflitos internos, especialmente diante do potencial de uso irregular das unidades.
Por isso, a medida foi concedida em caráter de urgência e deve permanecer válida até o julgamento definitivo do processo.
Impacto para síndicos e administradores
A decisão funciona como um alerta importante para síndicos e administradoras de condomínios enquadrados como HMP/HIS. A partir dela, fica claro que:
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Não cabe ao condomínio deliberar sobre locações por curta temporada nesses empreendimentos.
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Qualquer deliberação nesse sentido pode ser anulada judicialmente.
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Síndicos devem seguir rigorosamente a legislação urbanística e habitacional, mesmo quando houver pressão de moradores para flexibilizar regras.
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A função social da moradia prevalece sobre interesses particulares.
O entendimento reforça o dever de síndicos e conselheiros de verificarem o enquadramento legal do condomínio e suas regras de uso antes de convocar assembleias sobre temas sensíveis.
O que diz o processo
A decisão está registrada no processo nº 4049058-21.2025.8.26.0100, em trâmite na 23ª Vara Cível de São Paulo.





