A tragédia que atinge um grande complexo residencial em Hong Kong — região administrativa especial da China — já contabiliza 55 mortos e mais de 280 desaparecidos, segundo as últimas atualizações das autoridades locais. O incêndio devastou um conjunto formado por oito torres de 31 andares, que abriga aproximadamente 5 mil moradores, tornando-se um dos mais graves desastres urbanos recentes da região e um alerta mundial sobre segurança em edificações verticalizadas.

Para o advogado, palestrante e presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP, Dr. Rodrigo Karpat, o episódio ultrapassa os limites geográficos e coloca em discussão a capacidade de prevenção e gestão de emergências em condomínios ao redor do mundo.
“É uma tragédia de proporções inimagináveis”, afirmou.
Segundo ele, o caso evidencia como o crescimento urbano verticalizado exige atenção redobrada:
“Isso abre uma preocupação não apenas na China, no território de Hong Kong, como em todo o mundo, para os incêndios. Cada vez mais as cidades estão se verticalizando e a gestão desses condomínios interfere diretamente nos incêndios.”
Origem provável: obra e uso de andaimes de bambu
Karpat explica que as primeiras investigações apontam para um incêndio iniciado durante uma obra no complexo residencial. Um elemento cultural e estrutural chamou a atenção:
“Aparentemente esse incêndio ocorre por um andaime de reforma. Os andaimes lá são de bambu — parece brincadeira, mas não é.”
O uso de andaimes de bambu é tradicional em Hong Kong e amplamente utilizado até mesmo em prédios altos, devido à sua leveza e baixo custo. Contudo, o método vem sendo questionado por riscos associados a inflamabilidade e resistência, levando o governo local a discutir mudanças:
“Parece que tem uma legislação tentando proibir esses andaimes de bambu.”
Mesmo em um ambiente regulatório reconhecido por sua rigidez, explica Karpat, o desastre ocorreu:
“A questão é que lá as regras são muito mais rígidas que as nossas, existe uma interferência direta na gestão dos condomínios. Mesmo assim nos deparamos com esse tipo de acidente.”
Riscos no Brasil: infraestrutura antiga e negligência acumulada
Karpat alerta que, no Brasil, os riscos podem ser ainda maiores devido à idade avançada do parque condominial urbano e ao histórico de manutenção insuficiente:
“Temos questões problemáticas estruturais, como condomínios sem receber reformas de calibre de tubulação elétrica, o que faz com que o centro de medição fique sobrecarregado.”
Ele recorda conversas com o Corpo de Bombeiros:
“A sobrecarga na rede elétrica é o principal motivo, no nosso país, de incêndio em condomínio.”
Edificações antigas — especialmente das décadas de 1960, 70 e 80 — estão entre as mais vulneráveis:
“Condomínios dessas décadas não suportam a carga necessária para o dia a dia. As pessoas querem instalar ar-condicionado, tomadas para carregador elétrico… e a estrutura não acompanha.”
Com o aumento de equipamentos elétricos por unidade, incluindo carros elétricos e sistemas de climatização mais potentes, a pressão sobre instalações antigas se intensifica, elevando exponencialmente o risco de incêndios.
Prevenção: AVCB, rotas de fuga e brigadas não podem ser ignorados
Um dos pontos mais enfáticos da análise do especialista diz respeito à prevenção, que ele classifica como obrigatória, e não opcional:
“É muito importante que o condomínio esteja em dia com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros e com as políticas de rotas de fuga.”
O advogado ressalta que detalhes simples podem salvar vidas:
“A retirada de vasos e lixeiras da área de circulação não é apenas no momento da vistoria. É permanente, porque no caso de emergência as pessoas não sabem se direcionar.”
Outro problema recorrente é a falta de treinamento:
“A brigada de incêndio, que muitas vezes manda apenas os empregados, ou algumas vezes nem manda, faz com que, no momento extremo, o condomínio fique sem regras e sem núcleo de prevenção.”
E a negligência com equipamentos básicos agrava esse quadro:
“Há condomínios que não se preocupam nem em recarregar extintores, o que é uma bomba-relógio. Até um incêndio de pequena proporção pode se tornar um grande incêndio.”
Além de riscos à vida, há riscos legais:
“Existe a responsabilidade pessoal do síndico em casos de omissão como essas.”
Reformas urgentes e mudança cultural
Para evitar tragédias, Karpat reforça a necessidade de planejamento e investimento — especialmente em edifícios antigos:
“É caro, mas tem que ser planejado. O condomínio precisa de um plano diretor e levar o assunto em assembleia.”
Ele destaca que a prevenção depende também de uma mudança cultural:
“Culturalmente, infelizmente, essas situações acontecem. Que isso sirva de alerta para nossos condôminos e nossos gestores, para mitigar e minimizar qualquer tipo de risco.”
Ao concluir, o especialista lamenta profundamente a tragédia em Hong Kong:
“É inconcebível e lamentável quando uma situação dessas ocorre, seja lá por qual motivo. Espero que o desfecho possa ser menos devastador do que estamos acompanhando.”.





