Com a verticalização das cidades brasileiras, os condomínios tornaram-se o principal modelo de habitação nos centros urbanos. Segundo o Censo 2022 do IBGE, 12,5% da população do país vive em apartamentos — o que representa mais de 25 milhões de pessoas. Quando se somam vilas e condomínios horizontais, estima-se que cerca de 38 milhões de brasileiros estejam sob algum regime condominial.
Ao mesmo tempo em que cresce a demanda por moradia coletiva, aumentam também os litígios judiciais. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do relatório “Justiça em Números 2023”, indicam que o Brasil tem quase 78 milhões de processos em tramitação — e boa parte envolve questões cíveis do cotidiano, como disputas condominiais. No estado de São Paulo, decisões recentes do Tribunal de Justiça revelam que ações por conflitos em assembleias, inadimplência e falhas na gestão condominial estão entre as mais comuns no Judiciário local.
Mesmo assim, milhares de condomínios continuam operando sem um advogado próprio. O que muitos síndicos ignoram é que o suporte jurídico da administradora não representa legalmente o condomínio, e sim os interesses da própria empresa contratada. “É um erro recorrente. O síndico acredita que está amparado, quando na verdade está sozinho em decisões críticas”, afirma o advogado Cristiano Pandolfi, especialista em Direito Condominial e Vice-presidente da ANACON – Associação Nacional da Advocacia Condominial.
Responsabilidade jurídica pode atingir o CPF do síndico
O artigo 1.348 do Código Civil é claro: o síndico responde civil e criminalmente pelos atos praticados no exercício da função. Isso significa que, em caso de decisões erradas — como multas indevidas, omissões administrativas ou problemas com fornecedores —, o síndico pode ser processado individualmente.
“Já atendi casos em que assembleias foram anuladas porque o edital foi redigido de forma incorreta, sem respaldo jurídico. Em outro, a ausência de orientação especializada levou à aplicação de uma multa coletiva que, posteriormente, gerou uma ação de indenização. E quem foi parar na Justiça? O síndico”, relata Pandolfi.
Só em 2024, o Tribunal de Justiça de São Paulo analisou casos em que condomínios foram condenados a pagar indenizações de R$ 5 mil a R$ 20 mil por falhas aparentemente simples: desde a perda de correspondência judicial até a divulgação indevida de vídeos de moradores. São valores que poderiam ter sido evitados com acompanhamento jurídico preventivo.
Parecer genérico não substitui assessoria especializada
Um dos pontos mais criticados por especialistas é o uso de pareceres jurídicos genéricos, oferecidos pelas administradoras. “Esses documentos normalmente seguem um padrão que não leva em conta a convenção específica do condomínio, o histórico do prédio ou mesmo a jurisprudência local. Isso é grave”, explica Pandolfi.
Segundo ele, é cada vez mais comum encontrar condomínios utilizando cópias de pareceres prontos, sem a devida adaptação à realidade jurídica e social da comunidade. “É como aplicar uma bula de remédio em um paciente errado. Pode funcionar para uns, mas é desastroso para outros.”
A OAB-SP reforça esse alerta. Em relatório sobre as responsabilidades legais do síndico, a entidade lembra que, em casos de negligência ou omissão, a responsabilização civil pode se transformar em penal — sobretudo em casos que envolvam lesões, acidentes ou omissões de manutenção.
O custo da prevenção é menor que o da crise
Apesar da resistência de muitos condomínios em contratar um advogado especializado, estudos apontam que os prejuízos causados por falhas jurídicas podem ser até dez vezes maiores do que o custo de uma assessoria preventiva.
Um levantamento recente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI) indicou que mais de 40% dos síndicos no país ainda atuam sem assessoria jurídica contínua. “É uma economia de curto prazo que pode virar um rombo no futuro. Sem respaldo, o síndico toma decisões no escuro”, resume Pandolfi.
Condomínios precisam se comportar como empresas
Para o especialista, é urgente que os condomínios deixem de tratar o suporte jurídico como um serviço secundário. “O condomínio movimenta milhões em receita ao longo do tempo, envolve patrimônio coletivo, emprega pessoas, contrata serviços. Ele precisa ser gerido como uma empresa. E nenhuma empresa séria atua sem um jurídico próprio.”
A recomendação é que a assessoria jurídica especializada participe de assembleias, revise convenções e regimentos internos, ofereça pareceres sob medida e atue de forma preventiva em todas as áreas da gestão. “É isso que dá segurança ao síndico e tranquilidade aos moradores”, finaliza Pandolfi.