Um condomínio residencial em Indaiatuba (SP) está no centro de uma polêmica envolvendo direitos dos animais e normas internas. A administração do Residencial Jardim Bela Vista proibiu moradores de alimentar um gato comunitário que circula livremente pelas áreas comuns, aplicando notificações e multas a quem oferecer água, comida ou abrigo improvisado.
A situação chamou a atenção de advogados, protetores de animais e ativistas, que classificam a medida como ilegal, inconstitucional e passível de sanções judiciais. O caso se insere em um debate crescente sobre a convivência entre animais sem tutor fixo e normas de condomínios residenciais em áreas urbanas.
Animal comunitário e proteção legal
O gato em questão é dócil, saudável e frequenta o condomínio há meses, sendo acolhido por diversos moradores. Embora não tenha um tutor formal, ele se comporta como um animal comunitário, figura reconhecida juridicamente no Brasil e que, segundo decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não pode ser impedida de receber cuidados básicos, salvo em situações excepcionais de risco comprovado à saúde pública, segurança ou sossego.
“O gato escolheu aquele espaço como lar e é protegido por parte da comunidade condominial. Isso está previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Nenhuma convenção de condomínio pode se sobrepor à Constituição e à Lei de Crimes Ambientais”, afirma o advogado criminalista e especialista em direito animal Lucas Ribeiro.
O que diz a lei
A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), em seu artigo 32, tipifica como crime qualquer ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a animais domésticos ou domesticados, silvestres ou exóticos. A pena inclui reclusão, multa e proibição da guarda.
Além disso, o artigo 225 da Constituição Federal determina que é dever do poder público e da coletividade proteger a fauna, vedando práticas cruéis contra animais, independentemente de possuírem um dono específico.
“Mesmo que a norma fosse aprovada em assembleia (o que, neste caso, não ocorreu), seria nula de pleno direito. Ela fere princípios constitucionais e o entendimento consolidado em tribunais superiores”, explica Ribeiro.
Riscos para o condomínio e para o síndico
Ao proibir moradores de cuidar do gato e aplicar penalidades, o condomínio e seu representante legal podem responder judicialmente. De acordo com os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, condutas que causam danos a terceiros, mesmo sem intenção, podem gerar obrigação de indenização.
Já o artigo 146 do Código Penal enquadra como crime o constrangimento ilegal, o que pode se aplicar à aplicação de multas ou ameaças contra moradores que cuidam do animal.
“O síndico tem o dever de manter a ordem, mas isso não significa que possa ignorar os direitos constitucionais ou a legislação ambiental. É necessário buscar equilíbrio e bom senso”, afirma o advogado e defensor de animais Arthur Spindola, de Indaiatuba.
Convivência possível e soluções legais
Especialistas recomendam que o condomínio busque soluções em conjunto com os moradores e, se necessário, com o apoio de ONGs e órgãos ambientais. Entre as alternativas viáveis estão:
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Definição de regras para convivência com animais comunitários
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Estímulo à adoção responsável
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Castração e cuidados veterinários periódicos
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Criação de pontos fixos e higienizados para alimentação
“A conduta correta é garantir o bem-estar do animal, com regras claras, mas sem excluir o direito à vida e à dignidade. Criminalizar atos de cuidado é não apenas ilegal, mas também uma afronta ao senso de humanidade”, reforça Ribeiro.
Casos semelhantes já tiveram decisão favorável à proteção dos animais
O Judiciário já reconheceu em diferentes decisões que proibir o cuidado com animais dóceis e sem tutor é um ato de intolerância, sem respaldo legal. No Piauí, o próprio Lucas Ribeiro conseguiu uma sentença favorável a uma moradora que havia sido impedida de alimentar gatos comunitários em sua garagem. A Justiça reconheceu que alimentar e proteger esses animais não é uma escolha pessoal, mas um dever constitucional.
Em outras regiões, como o Distrito Federal, decisões semelhantes foram proferidas com base nos mesmos fundamentos: não há justificativa legal para impedir o cuidado com animais inofensivos, especialmente quando o condomínio não apresenta evidências técnicas de risco à coletividade.
O que fazer se o condomínio insistir na proibição
Em caso de persistência da norma proibitiva ou da aplicação de penalidades, moradores podem:
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Registrar boletim de ocorrência
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Acionar o Ministério Público ou a Delegacia de Meio Ambiente
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Entrar com ação judicial para anular a norma e eventuais multas
A tendência nos tribunais é clara: a proteção da vida animal prevalece, desde que não haja comprovação de prejuízo concreto à saúde ou à segurança da coletividade.
Fonte: Portal Mais Expressão