Como se calcula multa devida pelo inquilino em caso de devolução antecipada do imóvel?

A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações de imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, consiste em um dos principais documentos legislativos do Direito brasileiro. A sua importância decorre não apenas da sua excepcional qualidade técnica, mas principalmente da relevância das relações sociais e econômicas regidas por ela, notadamente quando se cuida de locações de imóveis urbanos com finalidade residencial.

Para muitas famílias e indivíduos, o contrato de locação — e não a propriedade ou outro direito real — é o instituto jurídico que garante seu acesso à moradia. Nesse contexto, ainda que alguns conflitos relativos ao tema da locação residencial aparentem diminuta relevância do ponto de vista puramente teórico, no varejo das relações humanas eles podem envolver questões com profundas repercussões sociais, merecendo, pois, especial atenção da doutrina, da jurisprudência e do legislador.

Uma dessas questões de importância cotidiana diz respeito à vinculação do locatário ao prazo da locação previsto no contrato – ou, mais precisamente, à multa que o locatário haverá de pagar caso opte por resilir unilateralmente o contrato, antes do termo avençado entre as partes. É comum encontrar, em contratos de locação residencial, cláusulas que estipulam um prazo determinado para a vigência do contrato (usualmente 30 meses), mas que, todavia, isentam o locatário do pagamento da multa contratual se ele permanecer no imóvel por um período mínimo, inferior ao prazo pactuado (geralmente 12 meses).

Não há grande risco de controvérsias nos casos em que o locatário decide devolver o imóvel locado antes do prazo de vigência do contrato (30 meses), mas já tendo exercido a posse do bem por período igual ou superior àquele previsto para a dispensa do pagamento da multa (12 meses). Evidentemente, a devolução antecipada do imóvel não importará no dever de o locatário pagar qualquer valor a título de multa contratual. As divergências podem surgir, contudo, nas hipóteses em que a devolução do imóvel ocorre antes de completado o período mínimo para a dispensa da multa.

Quanto a esse ponto, vale notar que o artigo 4º da lei garante ao locatário o direito de devolver o imóvel antes do prazo de vigência do contrato, “pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato”. E é aqui que surge a questão: proporcional em relação ao que? O locador defenderá que a multa deve ser calculada tendo-se por base o período total pactuado, qual seja, 30 meses, no exemplo utilizado; o locatário, que esse cálculo deve considerar o prazo de 12 meses, relativo à dispensa da multa, e não aquele previsto na cláusula que define o período de vigência da locação.

Dois regimes sobre o direito do locador à retomada do imóvel

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Para responder a essa questão, é preciso, antes, entender as razões desse curioso mecanismo contratual que promove o “descolamento” entre o prazo de vigência contratual e o prazo de isenção de multa. O que ocorre, na verdade, é o que o prazo de vigência de 30 meses se tornou onipresente na prática locatícia não porque as partes assim o preferem, mas porque o locador quer evitar o risco de que sua vinculação se estenda por período ainda maior.

Explica-se.

Ao disciplinar o direito do locador de retomar seu imóvel nas locações residenciais, a Lei nº 8.245/1991 distingue dois grupos de contratos: de um lado, os contratos celebrados por escrito com prazo determinado igual ou superior a 30 meses, que são regidos pelo artigo 46; e, de outro, o conjunto regulado pelo artigo 47, e que é composto pelos contratos celebrados verbalmente e pelos contratos celebrados por escrito, mas com prazo inferior a 30 meses ou por prazo indeterminado.

O primeiro desses cenários – contrato escrito com prazo determinado igual ou superior a 30 meses – é o desejável ou recomendável. O legislador não o impõe às partes. Todavia, estabelece um regramento que, na prática, incentiva o locador a celebrar contratos de locação residencial conforme a previsão do artigo 46 da lei, segundo o qual, “nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso”.

Os contratos que não atendem a esses requisitos, entre as quais está o contrato celebrado com prazo inferior a 30 meses, não são propriamente ilegais, mas são, por assim dizer, vistos com desconfiança pelo legislador. Para desencorajá-los, a lei impõe um regime mais rigoroso ao locador, limitando o seu direito à retomada do imóvel. Segundo dispõe o artigo 47, quando a locação é ajustada verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a 30 meses, o término do prazo estipulado não importará na extinção do contrato ou a retomada do imóvel pelo locador. Transcorrido o prazo de vigência, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, e o imóvel somente poderá ser retomado nas hipóteses elencadas taxativamente nos incisos do artigo 47. A mais importante delas é aquela prevista no inciso V, segundo o qual o locador poderá retomar o imóvel quando “a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos”.

Na prática, isso pode significar que o locador terá de aguardar cinco anos para reaver seu imóvel, o que geralmente não é do seu interesse.

Assim, o locador não necessariamente celebra contratos de locação com prazo determinado de 30 meses porque quer esse prazo. No geral o faz pois não pretende se vincular pelos cinco anos estipulados no artigo 47. Nesse contexto, mesmo o locador que deseje celebrar com o locatário um contrato por prazo determinado de 12 meses, e mesmo que essa previsão atenda plenamente aos interesses de ambas as partes, preferirá adotar o prazo de 30 meses, pelas razões já explicadas.

Ao final, portanto, o fenômeno do descolamento entre o prazo de vigência contratual e o prazo de isenção de multa é uma consequência da intervenção do Estado na economia do contrato. É para se adequar a essa restrição legal à autonomia privada que locadores e locatários aceitam, de bom grado, uma solução sui generis, celebrando contratos de locação residencial com prazo de 30 meses, mas com dispensa do pagamento de multa contratual para o locatário após 12 meses de vigência da locação.

Cálculo da multa na desocupação antecipada

Qual seria, então, a solução aplicável se, na hipótese, o locatário desocupar o imóvel 6 meses após o início da vigência? A multa prevista para a desocupação do imóvel dever ser calculada proporcionalmente ao prazo pactuado para a locação, ou seja, 30 meses, com abatimento de apenas 1/5 do valor da multa, ou proporcionalmente ao prazo para a dispensa do pagamento da multa, ou seja, de 12 meses, com abatimento da metade do valor desta?

Alguns julgados [1] adotam a primeira solução. Em síntese, entende-se que as partes teriam voluntariamente estabelecido prazo determinado de vigência de 30 meses, de tal sorte que a cláusula contratual, que regulamenta a multa por desocupação antecipada, faria referência a esse prazo. Por sua vez, a previsão relativa aos 12 meses consistiria em uma simples hipótese de dispensa de pagamento da multa, não alterando ou interferindo no referido prazo de vigência eleito pelas partes.

Esse raciocínio nos parece equivocado.

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Primeiramente, o enfrentamento da questão não deve partir da premissa de que ela se resume a um problema de interpretação contratual, como se bastasse a análise dos termos do negócio para se encontrar a solução adequada ao litígio. Como visto, as cláusulas que regulamentam prazos e multas em contratos de locação residencial são uma consequência do próprio arranjo normativo previsto na Lei do Inquilinato, mais precisamente, de dispositivos legais de ordem pública que limitam o horizonte de opções dos contratantes. Nesse sentido, uma adequada análise do problema pressupõe uma interpretação, não apenas do contrato, mas principalmente da Lei, em especial da expressão “proporcional ao período de cumprimento do contrato”, prevista no caput do seu artigo 4º.

Ao afirmar que a multa deve ser calculada em proporção ao período de cumprimento do contrato, o legislador pressupõe a existência de um prazo contratual de vinculação do locatário à locação, isto é, um período em que ele estaria juridicamente sujeito a permanecer na posição de locador, cumprindo as obrigações dela decorrentes. É exatamente a violação desse dever de permanência que justifica a incidência da multa.

Resta determinar qual é esse prazo contratual de vinculação. Ora, se a partir de 12 meses o locatário poderá livremente desocupar o imóvel, sem sofrer qualquer sanção ou consequência, então este é, precisamente, o período de sua vinculação ao contrato. É esse prazo, portanto, que deve ser utilizado na interpretação do artigo 4º da lei e do consequente cálculo da multa por resilição antecipada.

Duplicidade de prazos vinculativos

A solução proposta pode parecer surpreendente a uma primeira vista. Afinal, ela pressupõe que um mesmo contrato de locação possui dois períodos vinculativos distintos; um, mais longo, para o locador, e outro, abreviado, para o locatário.

Todavia, nos contratos de locação residencial, a disparidade entre os prazos vinculativos mostra-se plenamente adequada aos propósitos da lei e à assimetria existente entre as posições de locador e locatário. É importante destacar que, ao estabelecer prazos contratuais mais longos — seja de 30 meses, conforme o artigo 46, seja de cinco anos, nos termos do artigo 47 —, a Lei nº 8.245 busca, essencialmente, proteger o inquilino frente ao poder de barganha do locador.

Para melhor compreender a razão, é necessário considerar que o encerramento de uma locação residencial representa, via de regra, um evento extremamente oneroso para o locatário. Além dos custos envolvidos na mudança de residência, o inquilino pode ser forçado a alterar significativamente sua rotina, o que pode incluir a mudança do trajeto até o trabalho, da escola dos filhos, do meio de transporte habitual, entre outros aspectos relevantes da vida cotidiana. Dessa forma, se os contratos de locação residencial admitissem prazos demasiadamente curtos, os locadores acabariam detendo um poder excessivo sobre seus inquilinos. A cada renovação contratual, poderiam se aproveitar da situação de vulnerabilidade do locatário para impor cláusulas abusivas e aumentos desproporcionais de aluguel.

Dentro dessa lógica, é perfeitamente possível se admitir que o prazo de vinculação contratual do locador seja superior ao prazo de vinculação do locatário. Aliás, essa é a solução adotada pela própria Lei nº 8.245 para os contratos regidos pelo artigo 47. Com efeito, ao estabelecer que, nos contratos com prazo inferior a 30 meses, o locador só poderá retomar seu imóvel após cinco anos de vigência, o legislador nada mais fez do que impor um duplo período de vinculação: o locador está obrigado por cinco anos, ao passo que o locatário será liberado com o advento do prazo inferior, previsto no contrato.

Hermenêutica, a lei e o contrato

O problema do cálculo da multa contratual em casos de devolução antecipada do imóvel é, antes de tudo, um problema sobre a complexidade da tarefa hermenêutica. Interpretação contratual e interpretação da lei imbricam-se aqui; o emprego de uma sem a outra conduziria a um resultado descontextualizado e inevitavelmente equivocado.

O sentido e o alcance da expressão legal “proporcional ao período de cumprimento do contrato” é o ponto de partida do processo hermenêutico. Esse processo somente chegará ao seu termo com a análise da declaração negocial das partes, que nada mais é do que a expressão concreta das possibilidades lançadas pelo legislador.

A prática contratual de desvincular o prazo de vigência contratual e o prazo de isenção de multa se difundiu no tráfego social apenas e tão somente em razão do específico regime legal que disciplina a vigência da locação de imóveis, de sorte que, aqui, interessa menos o que as partes desejavam, e mais a consequência legal que buscavam evitar. Admitir que estamos diante de um contrato com dois prazos de vinculação é a única forma de atender, ao mesmo tempo, aos objetivos da lei e aos interesses dos contratantes.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).


[1] Cf., dentre outros: TJ-SP, Apelação Cível nº 1033610-80.2015.8.26.0562, 29ª Câm. de Dir. Priv., j. 04/05/2020; TJ-SC, Apelação nº 0308741-32.2019.8.24.0038, 4ª Câm. de Dir. Civil, j. 06/02/2025; 2ª Turma Cível do Colégio Recursal – Araçatuba, TJ-SP, Recurso Inominado Cível nº 1013067-84.2021.8.26.0032, j. 03/02/2022.

Fonte: https://www.conjur.com.br/

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