O universo condominial brasileiro é plural, mas nem sempre reflete essa diversidade em cargos de gestão. Síndicos negros enfrentam desafios que vão além da administração de recursos e conflitos entre moradores. Muitos lidam diariamente com racismo explícito e estrutural, seja em forma de xingamentos, desconfiança ou subestimação de suas funções. Esses episódios revelam como o preconceito ainda está presente, mesmo em ambientes considerados profissionais e organizados.
Alexandre, síndico negro, relata experiências que mostram o peso do preconceito: “Quando eu morava em Coqueiros, uma vez estava descendo as escadas com sacos de lixo e uma pessoa branca me perguntou se eu era o zelador do prédio. Em outra oportunidade, tocaram na porta do meu apartamento e a minha ex-esposa abriu. A pessoa olhou para ela, que era negra, e perguntou se a dona da casa estava”. Situações como essa não são isoladas; refletem o racismo estrutural presente na sociedade e nos condomínios.
A prática de injúria racial e racismo em condomínios é, infelizmente, comum. Alexandre Marques, advogado, consultor e professor de Direito Condominial, reforça que a gestão condominial deve atuar ativamente contra a discriminação: “Os condomínios reproduzem o comportamento da sociedade. É fundamental adotar políticas de tolerância zero, conscientizar os moradores e agir firmemente quando houver casos. Se necessário, medidas disciplinares devem ser aplicadas e denúncias levadas à assembleia ou à polícia”.
A diferença entre injúria racial e racismo é importante para a atuação correta. No crime de injúria racial, a ofensa é dirigida a um indivíduo específico e o prazo para denúncia é de seis meses, com registro em boletim de ocorrência. Já o crime de racismo atinge toda uma coletividade e pode ser denunciado a qualquer momento, sendo apurado pelo Ministério Público. A legislação prevê detenção e multas, mas a subnotificação e a naturalização do racismo estrutural dificultam a aplicação efetiva da lei.
Histórias como a da ex-síndica Daiana Ilha ilustram a vulnerabilidade enfrentada por mulheres negras: “Ao aplicar uma multa, um condômino bateu na minha porta e começou a gritar ‘sua negra de b*’. Ameaçou minha família, e precisei acionar a polícia, mas o episódio terminou sem consequências legais para o agressor”. Outro exemplo é Tânia Regina da Silva, síndica em São José, que precisou ter apoio da Polícia Militar para garantir sua segurança diante de moradores hostis.
O racismo estrutural, que Silvio Almeida define como um processo que mantém grupos racialmente identificados em posição de subalternidade, ainda se manifesta nos condomínios quando moradores presumem funções inferiores aos síndicos negros, como porteiro ou zelador, mesmo diante de cargos de autoridade legal. Esses preconceitos se somam às dificuldades cotidianas de gestão, tornando o exercício da função ainda mais desafiador.
Para Caroline Vizeu, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SC, o combate ao racismo passa pela educação e conscientização: “O letramento racial é essencial. As pessoas precisam conhecer a história da escravidão no Brasil, entender as desigualdades atuais e reconhecer como a população negra sofre violência até hoje. Campanhas internas nos condomínios podem ajudar a transformar esse cenário”.
Apesar dos desafios, síndicos negros demonstram resiliência e liderança, promovendo segurança, organização e respeito dentro dos condomínios. Suas experiências revelam a necessidade de políticas inclusivas e medidas preventivas, que incentivem a representatividade e a equidade em espaços que refletem a sociedade.
No Dia da Consciência Negra, é importante reconhecer e valorizar a luta desses gestores, que enfrentam preconceito e inspiram transformações, mostrando que respeito e igualdade não são apenas ideais, mas práticas que podem e devem ser incorporadas na vida condominial.
Fonte: Jornal dos Condomínios, 01/06/2021, Jorge Oliveira.





